Esta atividade tem como principais objetivos promover o conhecimento e valorização dos autores portugueses e desenvolver o gosto pelo texto poético.

 

Metodologia:

1.       Divulgação, quinzenal, de um poema, nos espaços escolares e na página da BE.

2.       Leitura do poema e breve abordagem do autor, em todas as turmas, nas aulas de Português.

3.       Desafio “Descobrir o autor”: no Dia Mundial da Poesia, os poemas são transformados em código (QR cod) e distribuídos pelos espaços exteriores mais frequentados pelos alunos. A cada código é atribuído um número, os alunos fazem a leitura dos códigos, com a respetiva aplicação nos seus dispositivos móveis. São atribuídos prémios aos alunos com melhores resultados (três prémios)

4.       Exposição de todos os  poemas selecionados, no final do ano letivo.

Um Poeta/Um poema 2018-19

11 de outubro

Mar

 

Mar, metade da minha alma é feita de maresia

Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,

Que há no vasto clamor da maré cheia,

Que nunca nenhum bem me satisfez.

E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia

Mais fortes se levantam outra vez,

Que após cada queda caminho para a vida,

Por uma nova ilusão entontecida.

 

E se vou dizendo aos astros o meu mal

É porque também tu revoltado e teatral

Fazes soar a tua dor pelas alturas.

E se antes de tudo odeio e fujo

O que é impuro, profano e sujo,

É só porque as tuas ondas são puras.

 

 

Sophia de Mello Breyner Andresen

 

 

7 de novembro
 

Novembro

 

A respiração de novembro verde e fria

Incha os cedros azuis e as trepadeiras

E o vento inquieta com longínquos desastres

A folhagem cerrada das roseiras.

 

 

Sophia de Mello Breyner Andresen

 

As pessoas sensíveis                                                                                                                                                        5 de dezembro

 

As pessoas sensíveis não são capazes

De matar galinhas

Porém são capazes

De comer galinhas

 

O dinheiro cheira a pobre e cheira

À roupa do seu corpo

Aquela roupa

Que depois da chuva secou sobre o corpo

Porque não tinham outra

O dinheiro cheira a pobre e cheira

A roupa

Que depois do suor não foi lavada

Porque não tinham outra

 

"Ganharás o pão com o suor do teu rosto"

Assim nos foi imposto

E não:

"Com o suor dos outros ganharás o pão".

 

Ó vendilhões do templo

Ó construtores

Das grandes estátuas balofas e pesadas

Ó cheios de devoção e de proveito

 

Perdoai-lhes Senhor

Porque eles sabem o que fazem.

 

Sophia de Mello Breyner Andresen

Forma Justa                                                                                                                                                                                          

3 janeiro

 

Sei que seria possível construir o mundo justo

As cidades poderiam ser claras e lavadas

Pelo canto dos espaços e das fontes

O céu o mar e a terra estão prontos

A saciar a nossa fome do terrestre

A terra onde estamos — se ninguém atraiçoasse — proporia

Cada dia a cada um a liberdade e o reino

— Na concha na flor no homem e no fruto

Se nada adoecer a própria forma é justa

E no todo se integra como palavra em verso

Sei que seria possível construir a forma justa

De uma cidade humana que fosse

Fiel à perfeição do universo

 

Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco

E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo

 

Sophia de Mello Breyner Andresen

MAR

 
17 janeiro

I

De todos os cantos do mundo

Amo com um amor mais forte e mais profundo

Aquela praia extasiada e nua,

Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.

II

Cheiro a terra as árvores e o vento

Que a Primavera enche de perfumes

Mas neles só quero e só procuro

A selvagem exalação das ondas

Subindo para os astros como um grito puro.

 

 

                                                          Sophia de Mello Breyner Andresen

Quero

14 de fevereiro

Nos teus quartos forrados de luar

Onde nenhum dos meus gestos faz barulho

Voltar.

E sentar-me um instante

Na beira da janela contra os astros

E olhando para dentro contemplar-te,

Tu dormindo antes de jamais teres acordado,

Tu como um rio adormecido e doce

Seguindo a voz do vento e a voz do mar

Subindo as escadas que sobem pelo ar.

 

Sophia de Mello Breyner Andresen

27 de fevereiro

O mar dos meus olhos

 

Há mulheres que trazem o mar nos olhos

Não pela cor

Mas pela vastidão da alma

E trazem a poesia nos dedos e nos sorrisos

Ficam para além do tempo

Como se a maré nunca as levasse

Da praia onde foram felizes

 

Há mulheres que trazem o mar nos olhos

pela grandeza da imensidão da alma

pelo infinito modo como abarcam as coisas e os homens...

Há mulheres que são maré em noites de tardes...

e calma.

 

                                                       Sophia de Mello Breyner Andresen

EM TODOS OS JARDINS

7 de março

Em todos os jardins hei de florir,

Em todos beberei a lua cheia,

Quando enfim no meu fim eu possuir

Todas as praias onde o mar ondeia.

 

Um dia serei eu o mar e a areia,

A tudo quanto existe me hei de unir,

E o meu sangue arrasta em cada veia

Esse abraço que um dia se há de abrir.

 

Então receberei no meu desejo

Todo o fogo que habita na floresta

Conhecido por mim como num beijo.

 

Então serei o ritmo das paisagens,

A secreta abundância dessa festa

Que eu via prometida nas imagens.

 

 

                                                       Sophia de Mello Breyner Andresen

 

Cidade

21 de março

Cidade, rumor e vaivém sem paz das ruas,

Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta,

Saber que existe o mar e as praias nuas,

Montanhas sem nome e planícies mais vastas

Que o mais vasto desejo,

E eu estou em ti fechada e apenas vejo

Os muros e as paredes, e não vejo

Nem o crescer do mar, nem o mudar das luas.

 

Saber que tomas em ti a minha vida

E que arrastas pela sombra das paredes

A minha alma que fora prometida

Às ondas brancas e às florestas verdes.

 

 

                                                       Sophia de Mello Breyner Andresen

4 de abril

abril

 

Esta é a madrugada que eu esperava

O dia inicial inteiro e limpo

Onde emergimos da noite e do silêncio

E livres habitamos a substância do tempo

                                     Sophia de Mello Breyner Andresen

 

abril

 

Esta é a madrugada que eu esperava

O dia inicial inteiro e limpo

Onde emergimos da noite e do silêncio

E livres habitamos a substância do tempo

                                     Sophia de Mello Breyner Andresen

 

 

23 de maio

Primavera

 

Primavera que Maio viu passar

Num bosque de bailados e segredos,

Embalando no anseio dos teus dedos

Aquela misteriosa maravilha

Que à transparência das paisagens brilha.

                                     Sophia de Mello Breyner Andresen

6 de junho

No fundo do mar

 

No fundo do mar há brancos pavores,

Onde as plantas são animais

E os animais são flores.

 

Mundo silencioso que não atinge

A agitação das ondas.

Abrem-se rindo conchas redondas,

Baloiça o cavalo-marinho.

Um polvo avança

No desalinho

Dos seus mil braços,

Uma flor dança,

Sem ruído vibram os espaços.

 

Sobre a areia o tempo poisa

Leve como um lenço.

 

Mas por mais bela que seja cada coisa

Tem um monstro em si suspenso.

 

                                     Sophia de Mello Breyner Andresen